Cai
a tarde na capital paulista, o sol se esconde ao longe por detrás no Pico do
Jaraguá, em meio a uma cortina de fumaça que tenta, mas não consegue esmaecer o
encanto, de um lindo entardecer.
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Na
cobertura de um dos arranha céus na região da Avenida Paulista, a mais paulista
de todas as avenidas, bem próximo à estação Metro Consolação, J.B.Salles,
pseudônimo de João Batista Salles, o Joãozinho para os amigos, escreve mais um
capitulo de sua mais recente novela e em meio àquele ambiente típico de cidade
grande, sua imaginação cria asas e fechando os olhos, ele pode até visualizar
Maria Clara, a protagonista de sua estória.
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Sua
personagem é uma advogada bem sucedida profissionalmente e aos trinta e dois
anos, ela sempre viveu e respirou sua profissão. Quando ainda pequena, dizia a
todos que quando crescesse, iria ser uma advogada e apesar de sua maneira
decidida de afirmar sua intenção, muitos acreditavam que ela poderia mudar de
ideia conforme fosse amadurecendo, mas estavam enganados.Ela
era daquelas pessoas que quando tomam uma decisão, custe o que custar, não
voltam atrás e não medem esforços para chegar onde querem e no caso dela, era
tanto, que com o passar dos anos, Maria Clara a cada dia, parecia viver e
respirar o Direito, relegando seus lados sentimental, emocional e familiar, ao
segundo plano. Desde o primeiro ano da faculdade, ela esqueceu que na
literatura, havia outros assuntos além dos jurídicos, ela ignorava as opções de
laser que tanto atraiam seus colegas nos finais de semana, achava que entre ir
a um cinema, a um teatro ou barzinho para um Happy Hour às sextas, ela
certamente tiraria muito mais proveito, se ficasse em casa estudando, o código
civil brasileiro.
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J.B.
Salles vinha pesquisando para escrever sua novela há muito tempo, ele havia
escrito vários livros que eram sucesso no Brasil e no exterior, tinha seu nome
conhecido em muitos países da Europa e com isto, veio a tranquilidade
financeira e a possibilidade de se dedicar o tempo todo a escrever, coisa que
sempre fez por amor. João Batista, não tinha chegado onde estava na vida com
facilidade, muito pelo contrario, ele deu duro para conseguir se firmar no
mundo literário, coisa muito difícil num país onde ser escritor, é para muitos,
sinônimo de que perda de tempo, pela falta de interesse no incentivo à leitura,
porque apesar do desenvolvimento do país, isto não mudou muito ao longo dos
anos, desde muito tempo atrás. Sentado
em frente ao seu computador, ele imagina a sequência de sua trama e nela, Maria
Clara esta em sua casa, são altas horas da noite e ela, com pilhas de processos
para analisar, pois não contente em trabalhar por vezes até quinze horas por
dia, levava serviço para casa e assim, o tempo ia passando e ela se dedicando
de corpo e alma à advocacia, sua grande e única paixão.
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Na
estória que J.B. estava escrevendo, sua personagem havia se esforçado muito
desde que terminou a faculdade de Direito e aos trinta e dois anos de idade,
trabalhava num escritório famoso na capital paulista que prestava serviços a
instituições financeiras, sua especialidade, eram os processos de execução
hipotecária e com sua capacidade profissional, era muito conceituada na
empresa, tendo seu nome cogitado para ingressar na sociedade. Contudo, mesmo
com todo sucesso profissional, com o prestigio que ela tinha, sua vida pessoal
era inexistente, pois apesar da idade, não havia se casado e nem tinha esta
intenção, pois acreditava piamente que era melhor estar só do que mal
acompanhada e além do mais, um homem na sua vida, só iria ser um estorvo em sua
escalada profissional. J.B. se esforça para encontrar um jeito de mudar a vida
de Maria Clara na novela, mas tudo que conseguia, era que ela se dedicasse cada
vez mais ao trabalho e por consequência, cada vez menos a si mesma como pessoa,
como mulher e quem mais sofria com isto sem que ela percebesse, era seu
coração, que de certa forma batia por bater, pois ele não conhecia o amor, ele
nunca havia ouvido alguém pronunciar esta palavra, pequena, mas que faz uma
falta imensa na vida da gente. Maria Clara na ânsia de se mostrar cada vez mais
uma profissional de sucesso, não conhecia mais nada além de revisão de
processos, elaboração de peças processuais, leitura de publicações, sentenças,
elaboração de defesas e cumprimento de prazos fatais, direito era seu único
lema e a unica coisa que a deixava excitada, era a perspectiva de poder fazer
com que se prevaleça sempre a justiça!
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A
vida de Maria Clara se resumia unicamente ao trabalho, o tempo ia passando, sua
juventude escorrendo entre seus dedos e mesmo que ela não que ela quisesse
ignorar, uma sensação estranha a incomodava, era como se faltasse algo que ela
não sabia o que poderia ser, mas quando este sentimento a incomodava demais,
ela se atirava ao estudo de processos, mergulhava de cabeça na elaboração de
defesas, coisa que fazia com maestria e assim, mesmo sentindo-se incomodada,
lutava com todas as suas forças para não parar para pensar na origem, no
verdadeiro motivo daquela sensação. Com o tempo, ela foi adquirindo muitos
hábitos que aos outros pareciam estranhos, mas ela não percebia o que estava
acontecendo, agia sempre como se tudo fosse absolutamente natural. Seu
apartamento no Tatuapé, parte nobre da Zona Leste de São Paulo, era um lugar
muito agradável, sua decoração era em estilo moderno e o bom gosto de Maria
Clara, a personagem, fez de seu recanto uma obra de arte, pois entre móveis
modernos e pintura arrojada, havia também quadros de pintores famosos, como
Matisse e Leonardo Da Vinci. Ela adorava pequenas estatuetas e vasos chineses,
tinha várias peças em seu apartamento, cuja disposição era sagrada, tinham que
estar do jeito que ela as colocava e quando alguém, uma visita ou a faxineira
as tirava fora de suas posições originais, era motivo para que ela ficasse
extremamente nervosa e para que por vezes, se tornasse arrogante, maltratando
as pessoas sem pensar nas consequências. Não obstante, além destes descontroles
ocasionais, outras manias foram aparecendo na personalidade de Maria Clara. Pela
manhã, ela agia sempre da mesma forma, no mesmo horário, com uma precisão
incrível, parecia que ela não era mais humana, agia mecanicamente, parecia que
havia se tornado uma espécie de robô, fazendo tudo igual, sem mudar nada, numa
rotina de enlouquecer a qualquer um.
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Enquanto
J.B. dava seguimento à sua novela escrevendo mais um capitulo, do outro lado da
cidade, na Zona Norte da capital, num condomínio fechado perto da Serra da
Cantareira, Maria Clara, uma advogada, um ser humano da vida real, se preparava
para mais uma noite de muito trabalho, ou seja, para dar sequência à analise de
vários processos que havia trazido do escritório e é claro, mais uma vez ela
iria dormir poucas horas e levantar muito cedo, pois tinha uma audiência
marcada para as onze horas da manhã, no Fórum João Mendes Junior, no centro
velho da cidade. A noite parecia que nem havia existido, Maria Clara se
levantou, tomou uma ducha rápida como sempre o fazia, colocou seu roupão de
banho e foi para seu quarto, onde se prepararia para sair em direção ao
trabalho, numa jornada inalterável de cinco dias por semana, por longos e
longos anos, sem tirar um dia de folga. Quando se colocou frente ao espelho, ela
pensou ouvir sua própria voz, mas não deu atenção, começou a se vestir e mais
uma vez a voz soou em forma de pergunta, que era mais uma afirmação:
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-Agora
você vai vestir aquela saia preta com a blusa branca não vai mesmo?
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Assustada
ela percebeu que estava mesmo para pegar as roupas citadas pela voz e perguntou
em voz alterada, quem estava falando com ela, quem estava ali em seu quarto, já
que sabia o que ela iria usar, só poderia estar vendo seus movimentos, sem que
ela soubesse. A voz não respondeu, o silencio que se fez foi aterrador, mas ela
mais uma vez resolveu ignorar, achava que poderia estar passando por um momento
de stress acumulado e estar ouvindo coisas, mas de novo, a voz falou:
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-Agora
você vai calçar aquele sapato preto, de salto alto, aquele, com um lacinho da
mesma cor, não vai?
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Maria
Clara perdeu a voz, queria gritar, mas não conseguiu, o medo era tanto, que ela
começou a tremer, sem saber o que pensar, nem o que fazer. De repente, ela ouve
de novo a mesma voz que perguntou:
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-Por
que é que você faz todos os dias a mesma coisa, do mesmo jeito?
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-Você
não se cansa de ser tão repetitiva, de ser tão monótona?
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-Não
acha que mudar alguma coisa em sua vida poderia lhe fazer algum bem?
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-Só
para variar um pouquinho, por que você não coloca aquele vestido bege, aquele
que mostra bem suas formas e te deixa mais sensual?
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O
susto foi demais, Maria Clara perdeu o sentidos, não viu, nem ouviu mais nada,
desfaleceu, caindo ao lado de sua cama para acordar horas depois pela manhã,
sem saber exatamente o que havia acontecido.
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Na
cobertura do arranha céu na região da Paulista, o dia para J.B. já havia se
iniciado há algumas horas atrás e naquele instante, ele estava escrevendo no
texto de sua novela que sua protagonista levantava-se do chão, onde havia caído
quando desmaiou após haver tido uma espécie de alucinação ouvindo vozes, vindas
de onde não havia mais ninguém.
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Tanto
J.B., o escritor, quanto Maria Clara, a pessoa da vida real, estavam ligados
por algo estranho, misterioso e sobrenatural, sem que nenhum dos dois tivesse
consciência disto, pois enquanto ele escrevia sua novela, todos os
acontecimentos por ele relatados, envolvendo Maria Clara, sua personagem,
estavam realmente acontecendo na vida da pessoa, da mulher de carne e osso,
Maria Clara, a advogada e a razão disto, só Deus sabe a resposta. Na estória
que J.B., sua personagem depois de perder tanto tempo com excesso de trabalho e
deixando a vida pessoal de lado, estava ficando neurótica, estava a ponto de
ter uma crise existencial, pois a falta de carinho e amor a estava fazendo
murchar lentamente e da forma mais dolorida possível, vivendo na mais completa
solidão.
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Seguindo
com seu carro pelas ruas da Zona Norte em direção ao centro da cidade, a Maria
Clara da vida real, se questionava sobre sua sanidade mental e pensava
seriamente em procurar um especialista, afinal, ela não tinha tempo para
descansar, pois prazo é prazo e se ela não os cumprisse, quem o faria em seu
lugar?
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Na
novela de J.B., sua personagem tinha vindo com seu carro até o Metro Tatuapé,
havia deixado o veículo em um estacionamento nas proximidades da estação e
tomado o metro, pois o transito estava terrível naquela segunda feira e ela não
tinha tempo a perder, aliás, como sempre, nem era preciso dizer. Dentro do
Metro, Maria Clara se sentia angustiada por causa das paradas constantes por
problemas técnicos e a cada segundo de todo aquele tempo parados entre uma
estação e outra, sua mente brilhante trabalhava com extrema precisão e apesar
de sentir seu peito apertado e falta de ar, pensava nos argumentos que iria
usar numa defesa que estava elaborando. No meio daquela multidão de gente
dentro da composição, ela era somente mais um numero, apenas mais um usuário,
sufocado, oprimido pelo sistema e pior, sem nenhuma opção. Entre uma estação e
outra, mais uma parada e quando o trem chega na estação Sé, exatamente como
todos os dias, quando as portas se abrem é como se um mar de formigas saísse em
disparada de um formigueiro sendo atacado com inseticida, todos correm ao mesmo
tempo rumo às escadas rolantes e no meio delas, Maria Clara, não passa de mais
uma das formigas, exatamente como todas as outras pessoas naquele lugar.
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Dando
sequencia ao enredo da novela, Maria Clara a personagem, entra em seu
escritório e como não poderia deixar de ser, sua mesa esta parecendo um
verdadeiro cartório, processos espalhados em todos os cantos e os estagiários,
saindo em busca de mais. Uma de suas manias e praticamente um ritual, era que quando
chegava ao escritório, deixava a bolsa em sua mesa e ia para o banheiro ajeitar
o cabelo, que aliás, nem precisava, pois seu único penteado a vida inteira, era
um coque no alto da cabeça, preso estrategicamente com grampos que o mantinham
assim do dia inteiro, afinal, ela não tinha tempo, por que iria se preocupar? Tudo
era sempre igual, os mesmos movimentos, o mesmo estilo de roupa para cada dia
da semana, o mesmo coque no alto da cabeça, isto sem contar com um par de
óculos, com uma armação preta que a envelhecia no mínimo uns quinze anos, ele
era tão velho, que estava com a armação torta e quando Maria Clara o usava, sem
perceber, ela ficava uma verdadeira figura. J.B. não se conformando com o
comportamento de sua personagem, havia parado de escrever e continuava a pensar
em como poderia mudar para melhor a vida de sua protagonista, ele não achava
justo uma mulher tão jovem ainda como ela, estar vivendo daquela maneira, se é
que se pode chamar aquilo de viver.
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Enquanto
isto, a Maria Clara da vida real, sentada em sua mesa no escritório, olha
fixamente para a página de um processo, ela nada vê, parece estar em transe
profundo, não sente, não pensa, parou no tempo, como se à espera de que algo a
motivasse a continuar, mas na verdade, era preciso que J.B. continuasse a
escrever sua novela, para sua vida seguir adiante.
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No
intervalo, durante o período em que parou de escrever, J.B. recebeu um
telefonema de seu editor, dizendo que só tinha uma semana para terminar sua
obra e que ele deveria fazer dois finais, para que fosse escolhido o melhor,
pois a novela teria que ser um Best Seller, como nunca visto no país.
Já
eram duas horas da tarde quando J.B. recomeçou a escrever e naquele mesmo
instante, a Maria Clara da vida real em seu escritório, saiu do transe em que
se encontrava e sua mente como sempre, absorvia cada ponto e virgula do texto
que estava examinando e quando percebeu, já eram quase vinte e duas horas, ela
nem mesmo havia jantado, mas não fazia diferença, ela não teve tempo para se
alimentar, passaria num Mac Donalds e levaria um Big Mac para casa, assim, como
sempre, tudo estaria resolvido.
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Enquanto
escrevia, J.B. resolveu inserir um novo personagem em seu romance, Pedro Paulo,
um estagiário de Direito, um rapaz inteligente, culto, educado e estudioso, mas
nem por isto deixava de curtir a vida e tudo que ela pode oferecer, ele tinha
dentro de seu coração uma paixão imensa pela vida e seu sonho era encontrar um
amor, para ser só seu, para se casar, formar uma família e um dia quem sabe,
ter alegria de ser avô, ao lado daquela que ele escolhesse, para ser seu amor,
para com ele viver, pelo resto de sua vida. Maria Clara, a personagem, saiu do
escritório, passou no primeiro Mac Donalds que encontrou pelo caminho e ao
entrar na lanchonete, com a atenção focada no menu, não viu que Pedro Paulo a
observava, com olhos de quem se apaixona à primeira vista, fez seu pedido,
pediu para fazer embalagem para viagem, pagou rapidamente e saiu do
estabelecimento, afinal, ela nunca tinha tempo para perceber outras coisas na
vida, mas quando ia abrir a porta de seu carro, um trombadinha a assaltou
levando sua bolsa e aterrorizada ela gritou, pedindo por socorro. Na trama da
novela, seu novo personagem socorre sua protagonista que havia sido vitima de
um assalto e, depois de acalmar a moça se apresenta, ela agradece e pede
desculpas pelo incomodo, ele lhe oferece para leva-la em casa, ela recusa a
gentileza e agradece mais uma vez.
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Maria
Clara na vida real, depois de ser assaltada, exatamente como o foi a personagem
de J.B., foi socorrida por um jovem simpático, atencioso, se sentiu melhor e em
condições de ir só para casa, trocaram telefones em caso dela resolver fazer um
boletim de ocorrência e cada um seguiu seu caminho, mas Pedro Paulo, não
consegue tirar a moça de seus pensamentos, pela noite adentro. Quando ela
chegou em casa, percebeu que havia ficado com o lenço dele e resolveu ligar
pedindo desculpas e para dizer que o devolveria no dia seguinte e foi
exatamente o que ela fez.
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Naquele
instante, num trecho da novela que J.B. esta escrevendo, o jovem estagiário
atende ao telefone e fica muito feliz em descobrir, que quem esta do outro lado
da linha, é Maria Clara, a personagem da novela de J.B., a mulher que, nem por
um minuto, lhe sai do pensamento. Os dois trocaram algumas palavras e
resolveram que entre um prazo e outro, se contrariam no Fórum e se desse tempo,
entre uma carga e outra, tomariam um lanche em algum lugar.
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J.B.,
com sua criatividade e bom coração, estava lentamente mudando o destino de sua
protagonista e não é difícil imaginar, que no dia seguinte, os dois se
encontraram no Fórum, deram um jeito de almoçar juntos e entre uma troca de ideias
sobre vários aspectos do Código Civil, um encontro de olhares, trouxe nova vida
ao coração de Maria Clara. Sua personagem não se lembrava mais do que
significava sentir o vento soprando e balançando seus cabelos, muito menos, a
maravilha que era sentir o calor do sol da manhã, aquecendo suavemente sua
pele, afinal, ela não tinha tempo a perder com coisas tão banais.
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Dentro
do restaurante, a mulher Maria Clara e advogada na vida real, sentiu por aquele
jovem estagiário, uma coisa que não sentia ha muito tempo, pois ela quase nem
se lembrava mais como era, ela se sentiu atraída pelo rapaz e não pode deixar de
imaginar como ele beijava e seu coração quase seco, pareceu renascer naquele
instante e a natureza falou mais alto novamente na vida de uma mulher, que ha
muito tempo, não vivia.
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Naquele
exato momento, em outro trecho da estória, J.B. escreve que os dois resolvem se
encontrar mais uma vez e a estória segue rumo a mais um final feliz, assim como
todas suas outras novelas, pois o coração de J.B. é feito de puro amor pela
vida e pelos seus semelhantes, tudo que ele escreve é para aquecer corações
tristes e feridos. Tudo que ele sempre quis, foi levar aos leitores através de
suas novelas, mensagens de paz, de amor, de fé em Deus e na beleza da vida. Pedro
Paulo, o estagiário, com seu jeito carinhoso e sua delicadeza, conseguiu ganhar
a confiança e o amor de Maria Clara que aos poucos, foi desabrochando como uma
flor em manhãs de primavera e toda aquela angustia e sentimentos estranhos que
havia dentro de seu coração, foram desaparecendo como tinha que ser.
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Maria
Clara a pessoa da vida real, estava descobrindo dentro de si mesma o desejo de
ter mais tempo para ela, começou a descansar, coisa que nunca fez em sua vida e
não levava mais toneladas de trabalho para casa, era como se aquela advogada,
maníaca pelo trabalho e pela profissão, tivesse deixado de existir aos poucos e
no lugar dela, estivesse surgindo uma nova mulher, consciente de que para tudo
há um limite e que viver não significa ser apenas a melhor profissional, que
não significa deixar de amar, significa sim, sentir o coração pulsar mais
forte, viver intensamente todas as emoções e deixar a natureza agir por si
mesma, que a vida significa, se amar em primeiro lugar, mas principalmente e
acima de tudo, amar a própria vida.
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J.B.
estava encerrando o penúltimo capitulo de sua novela, só faltava o capitulo
final. Já era noite. Sua protagonista estava em sua casa nos braços do homem
que a fez despertar para vida e enquanto ele escrevia, Maria Clara beijava
Pedro Paulo na vida real, do outro lado da cidade, vendo a lua brilhar nos céus
da Serra da Cantareira e J.B. cansado, foi adormecendo e com ele, foram também
fechando os olhos, os personagens, Maria Clara e Pedro Paulo, depois de fazer
amor, como nunca tinham feito em suas vidas.
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Na
manhã seguinte, J.B. foi até a editora e levou sua obra com dois finais
diferentes para que seu editor pudesse ler e dar a palavra final, pois a
publicação seria feita com o final que ele escolhesse e não aquele que o
coração do autor havia pedido a ele para escrever. Uma semana depois, o editor
ligou para J.B. dizendo que ele havia escolhido um dos finais, mas que ele
teria que mudar algo nele, ele teria que “matar” sua protagonista, vez que
todas as novelas que ele tinha escrito haviam sido apenas um grande sucesso nas
livrarias, mas para chegar a ser um Best Seller, teria que ter algo diferente,
teria que ter um grande impacto no final. J.B. saiu de lá arrasado, pois sua
personagem havia aprendido a viver e estava agora desabrochando como uma flor,
nos braços de seu grande amor. Ele chegou em casa, sentou se em frente ao seu
computador e começou a contra gosto a reescrever o final que o editor havia
escolhido, mas de alguma forma, ele daria um jeito de escrever, nada mais, nada
menos que um Gran Finale!
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Naquele
instante, a Maria Clara a pessoa da vida real, saiu de sua casa cedo como
sempre, mas agora com um sorriso nos lábios, os processos e o código civil já
não eram sua prioridade, pois seu coração batia calmamente, na cadencia do amor
e sua mente brilhante, sabia agora como discernir entre a importância de ser
uma profissional bem sucedida e ser uma mulher feliz, de bem com a vida.
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As
linhas do texto do final da novela já estavam terminando, sua protagonista havia
ido bem cedo ao Fórum de Santana para falar com um Oficial de Justiça, entra
agora na rotatória da Praça 14 Bis, na região do Campo de Marte e em sua mente,
o olhar apaixonado do jovem estagiário mais uma vez a faz sorrir, ela esta
feliz, como nunca havia sido. O transito caótico da região, não consegue dar
vazão aos carros de passeio que para complicar, circulam entre Trólebus e
caminhões, onde toda a atenção na direção do veículo, ainda é pouca.
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Naquele
mesmo instante, Maria Clara, a advogada da vida real, segue dirigindo, com o
capo de seu carro conversível recolhido e ela lembra por um breve instante, do
tempo em que ela não sabia o que era viver e num ímpeto, solta os cabelos que
estão presos no alto de sua cabeça, sente o vento balança-los, acariciando seu
rosto e sente na alma este movimento, pensa em quanto tempo ela perdeu, sem
apreciar os verdadeiros valores da vida.
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J.B.
esta escrevendo as palavras finais de sua novela e de repente, sua protagonista
ouve um estrondo, seu mundo que agora era cheio de luz, se torna de novo uma
escuridão total, ela não houve, nem pensa mais nada, tudo se apaga, numa fração
de segundo. Um ônibus desgovernado, abalroa um caminhão em alta velocidade em
certo trecho da rotatória da Praça 14 Bis, o motorista do caminhão tenta
controla-lo mas não consegue e ele atinge o carro de Maria Clara, a advogada, a
pessoa, a mulher da vida real e ao mesmo tempo, o da protagonista da novela de
J.B. e elas foram unidas naquele momento, mais do que nunca, o veículo capota
duas vezes e quando para, esta tudo acabado...
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O
grande autor, o escritor J.B. Salles, o Joãozinho como os amigos o chamam,
deixa uma lagrima sentida rolar sobre o teclado...
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Do
outro lado da cidade na vida real, em um quarto de hospital, um par de olhos se
abrem lentamente e primeira coisa que enxergam, é uma luz brilhante bem ao
longe, como se ela viesse do fundo de um túnel na mais completa escuridão. Aos
poucos a luz toma conta da visão daqueles olhos e uma imagem a principio
difusa, começa a se formar em meio a ela e aos poucos, vai ficando cada vez
mais nítida e se pode ver o rosto de Pedro Paulo e nele, um sorriso acompanhado
de uma lágrima de emoção.
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Maria
Clara, a advogada, a pessoa da vida real e Maria Clara a personagem e
protagonista da novela de J.B.Salles estão vivas, não morreram. Ele as salvou
da morte no ultimo instante, nas ultimas linhas de sua novela, e o fez por um
único motivo, ele o fez por amor.
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O
homem, o escritor, o autor J.B. Salles, mas antes de tudo o Joãozinho, tão
querido por todos, não teve coragem de matar sua heroína, ele preferiu ir
contra as ordens de seu editor, mudou o final de sua estória sim, mas não matou
sua protagonista, porque inexplicavelmente, ele sabia que Maria Clara a
advogada e Pedro Paulo, o estagiário, eram de alguma forma pessoas reais, que
ele havia lhes dado vida, sentimentos, os fez conhecer o verdadeiro amor e ele
não era de forma alguma um assassino frio, calculista e sem coração. Ele
preferiu seguir seus princípios e o mais importante, ele preferiu ouvir seu
próprio coração.
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A
editora se recusou se a publicar seu livro, uma vez que ele estava
definitivamente fora do que eles haviam exigido do autor, deram como quebra de
contrato e ainda moveram um processo contra ele, exigindo indenização. J.B.
Salles, não desanimou, enviou sua novela para outra e editora e logo depois ela
foi publicada, tornando-se o maior Best Seller daquele ano, tanto no Brasil ,
quanto no exterior.
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Maria
Clara, a advogada e mulher da vida real, vive hoje feliz ao lado de Pedro
Paulo, os dois trabalham juntos desde que ele se formou e acabaram por se
tornar sócios da empresa, graças ao excelente desempenho do casal.
Numa
noite, em sua casa aos pés da Serra da Cantareira, Maria Clara se lembra de
quando ouvia sua própria voz questionando sua maneira de ser e de agir, acha
interessante como a mente reage, quando estamos em estado de stress profundo e
um sorriso surge em seus lábios, olhando seu Pedro Paulo deitado ao seu lado,
dormindo como um anjo, entregue aos braços de Morfeu depois de terem feito amor.
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J.B.
por sua vez, bem longe dali, em sua cobertura na mais paulista de todas as
avenidas, vive feliz por ter sido honesto consigo mesmo e por ter atendido, ao
apelo de seu coração.
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A
vida inúmeras vezes imita a fantasia e vice versa, nenhum de nós é capaz de
dizer com firmeza que certas coisas são apenas ficção, que são impossíveis de
acontecer ou existir, mas Maria Clara, a advogada, a mulher da vida real e
Maria Clara, a personagem e protagonista da novela de J.B. Salles, eram por um
estranho mistério, uma só pessoa e, se ele tivesse seguido as ordens de seu
editor, “matando” sua personagem, teria por consequência sido culpado pelo
crime de morte e pior, um crime premeditado, sem perdão.
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Escritores
são donos de poderes mágicos inimagináveis, eles tem o poder de dar e tirar a
vida de seus personagens, eles detêm o poder no mundo dos sonhos, eles podem
quando quiserem nos fazer viajar sem sair do lugar. Através de seus textos, nos
fazem viver grandes emoções nunca sentidas e quem nos garante então, que eles
não tem o poder de mudar o rumo de nossas vidas, de nossos destinos?
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Fica
no ar uma pergunta:
#
Se
J.B. Salles, o João Batista Salles, apenas o Joãozinho para os amigos fosse
outra pessoa, Maria Clara a advogada, estaria hoje viva e feliz ao lado de
Pedro Paulo, o estagiário e o homem e personagem que J.B. colocou em seu
caminho e a fez acordar para vida?
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Não
se pode viver a vida usando uma máscara, vivendo um personagem para sempre, pode se apenas aprender
vivendo a compreender a mensagem embutida no enredo da peça da qual todos nós participamos,
assim como a Maria Clara da vida real, aprendeu com Maria Clara, a personagem e
protagonista da novela, de J. B. Salles, despertando para vida e para o amor, a
única razão de nossa existência e, se ela aprendeu literalmente a viver, deve
isto ao autor.
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O
maior autor e escritor do universo, escreve todos os textos e roteiros de
nossas vidas, para que cada um de nós, se esforce para receber ao menos uma
menção honrosa ao final do espetáculo da vida, só depende de nosso desempenho,
no papel que nos foi conferido.
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Quem
sabe até, dependendo de nossa atuação, venhamos a ser eternizados nos corações
da plateia que nos assiste atentamente no palco da vida, mas o mais importante
precisa ser dito, quem defendeu a causa de J.B., aquela que a Editora moveu
contra ele, não foi um personagem.
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Foi
Pedro Paulo, o marido de Maria Clara na vida real e depois do caso encerrado,
se tornaram amigos, passaram a frequentar as casas um do outro e num certo dia,
num papo mais intimo, Maria Clara contou a J.B. sobre sua vida, sobre seu
acidente e de como foi que ela sobreviveu, para viver seu grande amor. J.B.
naquele momento, soube no mais intimo de sua alma, que ele havia sido responsável
pelo que aconteceu, seus olhos encheram-se de lágrimas, mas se manteve calado,
por que há certas coisas na vida, que não tem explicação, muitas vezes e melhor
nem tentar, pois o que aconteceu a todos eles, pessoas e personagens, foi uma
delas, só Deus, sabe a razão.
Autor:José
Araújo